domingo, 21 de junho de 2009

Dano Moral no Direito de Família

A SECULARIZAÇÃO DA CULPA NO DIREITO DE FAMÍLIA

BELMIRO PEDRO WELTER[1]
Promotor de Justiça no Rio Grande do Sul, Mestre em Direito Público
pela UNISINOS, Professor de Direito de Família na URI (Santo Ângelo)

SUMÁRIO: 1) doutrina sobre o dano moral no casamento e na união estável; 2) jurisprudência acerca do dano moral no casamento e na união estável; 3) a secularização da culpa no Direito de Família; 4) bibliografia.

Questão relevante e que merece maiores esclarecimentos é a referente à possibilidade de ser discutida a culpa no Direito de Família e, em decorrência, a propositura das ações de separação judicial litigiosa, por infração aos deveres do casamento, dissolução da união estável, indenização por dano moral, na perda do nome de casado, na fixação dos alimentos, na reversão dos bens e da meação ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, e, estranhamente, para fins de concessão do direito de herança ao cônjuge e ao companheiro.

Por um lado, a pesquisa tem a finalidade de desmistificar a culpa e, em conseqüência, o denominado dano moral no casamento e na união estável, invocando, para tanto, o princípio da secularização. Por outro ângulo, e não incidindo em paradoxo, serão descritas as hipóteses que acarretam a indenização por dano moral nessas entidades familiares.

1 DOUTRINA SOBRE O DANO MORAL NO CASAMENTO E NA UNIÃO ESTÁVEL

No cenário jurídico brasileiro ocorrem manifestações favoráveis[2] à indenização por danos sofridos pelo cônjuge inocente, por infração aos deveres do casamento e da união estável [3]. Contudo, não se trata de matéria nova e pacífica, tanto na doutrina quanto na jurisprudência[4].

De um modo geral, o que se tem visto na doutrina, deve ser indenizado o dano moral na constância do casamento e da união estável, nos casos de crimes de homicídio, contra a honra, lesões corporais[5]; contaminação pelo vírus da AIDS[6]; falta do dever de assistência material, tentativa de morte, injúrias graves[7]; lesão deformante, abandono injustificado da família, adultério, maus tratos, transmissão de doença venérea[8]; incapacidade física[9]; negligência ao estado de saúde da mulher, permite que ela desenvolva moléstia[10]; sevícias, difamação e injúria[11].

Examinando esses exemplos, em que se requer o ressarcimento dos danos morais, percebe-se que, em todos os casos, a alegada infração aos deveres do casamento e da união estável (artigos 1.566 e 1.724 do CC), além de se constituírem em causas da ruptura dessas entidades familiares (artigo 1.572 do CC), são condutas delituosas. É dizer, o dano que se reclama não é, na verdade, devido à desobediência aos deveres conjugais, mas, sim, porque tipificam conduta delituosa a um dos cônjuges ou companheiros. E esse dano material e moral à incolumidade física não se indeniza pela singela razão de ter ocorrido na constância do casamento ou da união estável, visto que, mesmo fora dessas entidades familiares, estará justificada a indenização pelo ato ilícito delituoso[12].

2 JURISPRUDÊNCIA ACERCA DO DANO MORAL NO CASAMENTO E NA UNIÃO ESTÁVEL

Na jurisprudência, em praticamente todos os julgados consultados, em que se concedeu a indenização de dano moral no casamento e na união estável, foi devido à ocorrência de ilícito penal, e não só devido à infração aos deveres constantes dos artigos 1.566 e 1.724 do CC. Alguns exemplos podem ser citados:

a) Em julgamento no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em 1981, foi decidido que é cabível a indenização de dano moral quando o marido espanca a esposa, bárbara e violentamente, chegando a fraturar-lhe um braço[13]. Há, assim, a presença não apenas de infração aos deveres matrimoniais, como de ilícito penal, como causa da indenização.

b) Em outro acórdão do mesmo Tribunal[14] não foi concedida a indenização do dano moral, tendo em vista que “a quebra de um dos deveres inerentes à união estável, a fidelidade, não gera o dever de indenizar, nem a quem o quebra, um dos conviventes, e menos ainda a um terceiro, que não integra o contrato existente e que é, em relação a este, parte alheia”. Vê-se que, embora o adultério seja crime (artigo 240 do CP), a tendência doutrinária[15] e jurisprudencial[16] é pela sua de despenalização. Não obstante a descriminalização do adultério, a conduta do cônjuge ou companheiro pode tipificar o crime de injúria[17], a ensejar, então, a reparação por danos morais, mas não porque infringiu os deveres do casamento, e sim porque cometeu ilícito penal que, em tese, deve ser indenizado.

c) O Superior Tribunal de Justiça[18] conferiu indenização por danos morais na constância do casamento, tendo em vista que “a separação litigiosa requerida pela mulher baseou-se na insuportabilidade da vida em comum, adjetivado o comportamento do marido como violento, irascível, tirânico, autoritário e ameaçador, proclamando ela seu fundado temor de ver-se objeto de violências físicas, além das psíquicas”. Aqui, novamente, o pedido de indenização não foi acolhido devido à infração dos deveres do matrimônio, mas, sim, porque o ex-marido cometeu o crime de ameaça e lesão corporal.

d) Dois acórdãos são citados pela doutrina[19], oriundos do Tribunal de Justiça de São Paulo, em que houve a concessão de indenização de dano moral na constância do casamento, em decorrência do contágio do cônjuge pelo vírus da AIDS e ao abandono da cônjuge que estava grávida e perdeu o emprego, abortando voluntariamente. Esses dois casos, da mesma forma, comprovam que não houve tão-só infração aos deveres do casamento, mas conduta delituosa (artigo 121, c/c artigo 14, II, tentativa de homicídio pela transmissão do vírus da AIDS, artigo 125, aborto, e artigo 244, abandono material, todos do Código Penal).

e) No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ementa de acórdão foi edificada nos seguintes termos[20]: “Lesões corporais causadas pelo marido à própria esposa, deixando-a inabilitada para as funções profissionais de advogada”. Outra vez, presente a conduta criminosa a ensejar a indenização por dano moral.

f) Outro julgado é citado pela doutrina[21], em que se concedeu o direito à indenização por dano moral, tendo em vista as sevícias e a injúria grave praticados por um cônjuge contra o outro. Está-se, mais uma vez, frente a uma conduta delituosa.

Vê-se que, em todas as hipóteses acima citadas, a doutrina e a jurisprudência admitem a indenização de dano moral no casamento e na união estável não em razão da infração aos deveres matrimoniais, mas, principalmente, em vista do cometimento de ilícito penal de um cônjuge ou convivente contra o outro. Dessa forma, a indenização é concedida não devido à ruptura da sociedade conjugal ou da entidade familiar, por infração aos deveres do casamento ou da união estável, mas, sim, porque o cônjuge ou companheiro culpado cometeu ilícito penal contra o seu consorte, que, em tese, deve ser indenizado.

É por isso que outra ala da doutrina[22] contesta a indenização por dano moral no casamento e na união estável, pois seria o término da paixão, do amor, da libido, da força do sexo, impondo puritanismo retrógrado. É dizer, numa só palavra, a indenização não é exigida pela ruptura do desejo de felicidade, e sim porque, quem tinha o dever de contribuir para a felicidade, retribuiu com conduta delituosa.

Na verdade, os pedidos de indenização por dano moral na constância do casamento e da união estável não são pelo prejuízo que os cônjuges ou companheiros sofreram “em nome do amor que acabou”[23], e sim pela desumana e indigna conduta delituosa perpetrada contra o consorte, a quem, algum dia, jurou amar, sonhar e fazer feliz por toda a vida, na alegria, na dor, na (des)esperança, na velhice, na (in)felicidade, na tristeza, na (des)confiança, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, amando e respeitando um ao outro por todos os dias.

3 A SECULARIZAÇÃO DA CULPA NO DIREITO DE FAMÍLIA

Para melhor compreender a incidência, ou não, do dano moral no casamento e na união estável, é necessário volver ao Direito Romano, ao Direito Canônico e à origem do Estado de Direito.

A Igreja Católica, por meio do Direito Canônico, há vários séculos, instituiu a noção de culpa no casamento, em vista do cometimento do pecado original por Adão e Eva, que foram expulsos do paraíso, absorvendo a mácula do pecado. O casamento, para a Igreja, é eterno, um sacramento, portanto indissolúvel, não sendo tolerada, em decorrência, a separação do casal. O divórcio canônico era admitido em raríssimos casos, como adultério, abandono ou sevícias, isto é, quando do cometimento de ilícito penal. Em decorrência desse Direito Eclesiástico, surge o chamado princípio da culpa, como forma de manter edificado o casamento, que somente poderia ser desfeito mediante a comprovação de um culpado, que deveria ser punido[24].

Noticia, Jeanine Nicolazzi Philippi[25], que, em Roma, a religião significava estar ligado ao passado, que devia ser preservado, santificado e cultuado, inclusive pelas leis que eram elaboradas de acordo com os costumes dos antepassados. Todavia, com o transcorrer dos anos, os romanos começaram a questionar-se sobre a origens das leis. Dizia-se que era conseqüência de um saber racional, destinado a solucionar os conflitos, mas, por outro lado, era afirmado que a lei provinha de um lugar mítico, explicada e sustentada por intermédio da figura do Autor, de uma crença no Pai.

A partir dessa crença no Pai, as leis concretas da civitas permaneceram em segundo plano, pois a revelação divina surge como a única expressão capaz de ditar uma ordem eterna e válida para todos. O enfraquecimento da autoridade moral, política e intelectual da civilização romana cede espaço para o cristianismo que, pretendendo tornar-se religião universal, se apresenta, num primeiro momento, com princípios morais próprios, reforçando a idéia de um direito natural divino e, num segundo momento, vai representar uma possibilidade de justificação do poder e do sistema jurídico.

Com o desmembramento do Império Romano, em Ocidente e Oriente, a contar do século V, e com o decorrente desaparecimento de uma ordem secular estável, há um deslocamento de autoridade e poder de Roma ao Chefe da Igreja Católica Romana. Esta, por sua vez, desenvolveu um direito canônico, estruturado num “conjunto normativo dualista – laico e religioso – que irá se manter até o século XX”. Como conseqüência, nas Idades Antiga e Medieval, o Direito, confundido com a Justiça, era ditado pela Igreja, que, possuindo autoridade e poder, se dizia “intérprete de Deus na terra”[26]. A justificação desse poder de dizer o justo fundava-se na natureza física e social, tidas como obra da criação divina.

Nos primórdios da Idade Moderna, prossegue a autora, surge nova concepção epistemológica, descristianizando a teoria naturalista. Foram expoentes dessa mudança Hugo Grócio, seguido por Locke, Robbes, Rousseau, Kant, entre outros jurisconsultos. E esse renascimento representou a laicização, que formatou uma mudança de pensamento e de paradigma, transformando a concepção do Direito e do Estado. Desse (re)nascer do Direito e do Estado puderam ser constatadas quatro Revoluções: a) a revolução econômica, por meio do capitalismo mercantil, do comércio, da manufatura e das cidades; b) a revolução política, que trouxe o fim do Estado Teocrático, ou seja, a partir de então, o poder não era mais de “Deus”, e sim do Estado de Direito; c) a revolução do conhecimento, que representou o rompimento com o pensamento religioso (a Igreja justificava o direito com base no direito divino); d) a revolução cultural, que incluiu a família, o indivíduo e a criança como parte e base da sociedade.

Durante o período da secularização (laicização)[27], os contratualistas John Locke, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rosseau, entre outros, pela teoria do contrato social (século XVII), sustentaram que o direito continua sendo um dado da natureza (e não das alturas, divino), mas, para que as leis se tornassem normas positivas, haveria necessidade do consentimento do indivíduo. A humanidade, que se encontrava no estado da natureza, sem qualquer regra de convivência social, firmou um contrato social, surgindo, então, o Estado de Direito, uma criação artificial da razão humana, que passa a ditar as leis positivas, acarretando o fim do Estado Natural e o início do Estado Social e Político.

O princípio da secularização, de acordo com Luigi Ferrajoli[28], é a idéia de que inexiste uma conexão entre o direito e a moral. O direito não tem a missão de (re)produzir os elementos da moral ou de outro sistema metajurídico de valores éticos-políticos, mas, tão-somente, o de informar o seu produto de convenções legais não predeterminado ontológico nem tampouco axiologicamente. Mas, por outro lado, salienta o constitucionalista, se edificada a mesma idéia de forma contrária, denota a autonomia da moral com relação ao direito positivo, isto é, “os preceitos e os juízos morais, com base nesta concepção, não se fundamentam no direito nem em outros sistemas de normas positivas – religiosas, sociais ou de qualquer outro modo objetivas -, senão somente na autonomia da consciência individual”. Essas são, segundo o jurista, as duas teses que constituyem uma adquisición básica de la cultura liberal. Y reflejan el proceso de secularización, culminado al inicio de la Edad Moderna, tanto del derecho como de la moral, desvinculándose ambos em tanto que esferas distintas y separadas de cualquer nexo com supuestas ontologías de los valores[29].

Ressaltam, Amilton Bueno de Carvalho e Salo de Carvalho[30], que a secularização (laicização) é a ruptura entre a cultura eclesiástica e as doutrinas filosóficas, especialmente entre a moral do clero e a forma de produção da ciência. Por isso, o Estado não deve se imiscuir coercitivamente na vida moral dos cidadãos e nem tampouco promover coativamente sua moralidade, mas apenas tutelar sua segurança, impedindo que se lesem uns aos outros. Com o princípio da secularização, concluem os articulistas, podem ser invocados inúmeros (sub)princípios: da inviolabilidade da intimidade e do respeito à vida privada (art. 5º, X), do resguardo da liberdade de manifestação de pensamento (art. 5º, IV), da liberdade de consciência e crença religiosa (art. 5º, VI), da liberdade de convicção filosófica ou política (art. 5º, VIII) e da garantia de livre manifestação do pensar (art. 5º, IX).

Com efeito, o princípio da secularização fez corte vertical entre a moral eclesiástica e o Direito, pelo que, parafraseando o jurista italiano Luigi Ferrajoli, os preceitos e os juízos morais não têm lastro no Direito, mas, tão-só, na liberdade da consciência individual[31]. A moral, a contar da separação entre a Igreja e o Estado, não é mais um mandato das alturas, não é mais sacra, e sim profana. Esse princípio da liberdade da consciência individual traduz-se no princípio da liberdade de entrar e sair do casamento e da união estável, representando o esteio, o pilar, a âncora da democracia[32], que não existe sem dignidade[33]. É dizer, o cônjuge e o convivente têm a liberdade de entrar e de sair do casamento e da união estável quando melhor lhe aprouver, sem que a sua conduta importe violação à moral do consorte. Perante as leis da Igreja pode ser até imoral alguém sair, de uma hora para outra, do recanto familiar. No entanto, se não abandonar a família material, intelectual e moralmente, não estará cometendo qualquer conduta delituosa, pelo que descabe qualquer indenização ante a sua opção de separar-se, de libertar-se do jugo, ante a falência do amor, da felicidade e do afeto, principais elementos da unidade familiar.

Com a laicização dos Estados e do Direito Estatal, o Direito Canônico tornou-se laico (leigo), afastado do Direito Estatal, não podendo ser juridicizado, porque, desde aquela época, compete ao Estado dizer o Direito, e não mais à Igreja. Dessa forma, a culpa, por ser parte do Direito Canônico, Divino, deve ser secularizada, laicizada, excluída do Direito Estatal.

É devido à longa, mas recente laicização do Direito e dos Estados (séculos XIV a XX) que o jurista tem dificuldade em seccionar o Direito Canônico do Direito Estatal. Ainda hoje o Direito Estatal sofre influência de ordem secular, canônica, divina, como a inserção da culpa na separação judicial e na dissolução da união estável (artigo 1.572 do Código Civil), na fixação dos alimentos (artigos 1.694, parágrafo 2º, 1.702, 1.704, e parágrafo único, do Código Civil), na perda do nome de casado (artigo 1.578 do Código Civil) e na reversão dos bens e da meação ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, nos casos permitidos pelo regime de bens (artigo 1.572, parágrafo 3º, do Código Civil) e, estranhamente, inclusive para fins de concessão do direito de herança ao cônjuge e companheiro (art. 1.830 do Código Civil)[34]. E isso ocorre porque, para a Igreja, o casamento é indissolúvel, é um sacramento, é eterno (até que a morte os separe), aplicando-se, portanto, o princípio da sacralização. E a indissolubilidade do casamento faz com que o jurista defenda a discussão da culpa no Direito de Família, como se o Direito eclesiástico, que prega a culpa no âmbito familiar, ainda tivesse influência no Direito Positivo[35].

Nesse sentido, há um paradoxo, porque, de um lado, o legislador brasileiro aceitou a laicização do Direito Estatal, ao introduzir o divórcio no País, em 1977, após longos anos de discussão e resistência da Igreja, afastando o princípio da indissolubilidade do casamento. Além disso, a culpa foi secularizada, laicizada, descristianizada, profanada, dessacralizada, desconsagrada e desdramatizada pelo Direito do Estado, ao permitir, por exemplo, a guarda de filho pelo cônjuge ou companheiro responsável pela dissolução da entidade familiar (artigo 1.584 do Código Civil). Contudo, por outro lado, não é aceita a laicização, a abolição, a extinção da culpa na dissolução das entidades familiares na fixação dos alimentos, na adoção do nome de casado(a), na dissolução da sociedade conjugal ou da união estável e na perda dos bens e da meação ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial.

Há mais: a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002 extinguiram o princípio da sacralização do casamento, com a possibilidade de divórcio (artigo 226, parágrafo 6º, da Constituição Federal, e artigo 1.580, e parágrafo 2º, do Código Civil), com o reconhecimento de outras formas de constituição de família, como a união estável e a monoparentalidade (artigo 226, parágrafos 3º e 4º, da Constituição Federal, e artigo 1.723 e 1.597, IV, do Código Civil), a igualdade entre os cônjuges (artigo 226, parágrafo 5º, da Constituição Federal, e artigo 1.511 do Código Civil) e a igualdade entre os filhos havidos ou não do casamento e da união estável (artigo 227, parágrafo 6º, da Constituição Federal, e artigo 1.596 do Código Civil). É dizer, esse mesmo Estado, que é Democrático e de Direito, dessacralizou o casamento, mas não aceita a secularização da culpa em todas as áreas do Direito de Família. O Estado não se dá conta de que, ao manter a culpa no âmbito do Direito de Família, está, na verdade, aceitando, indevidamente, a imposição da doutrina do Direito Eclesiástico.

E o jurista, por sua vez, não deve incidir no mesmo equívoco do Estado - interpretar o Direito de Família com base no Direito da Igreja -, para que seja possível afastar a culpa não apenas em parte, mas em todo o Direito de Família. Em decorrência, a pretensa indenização por dano moral perderá o objeto, visto que pressupõe um culpado e um inocente na dissolução das entidades familiares[36].

No Direito de Família, em vista dos princípios da secularização, da dessacralização do casamento, da liberdade, da igualdade, da prevalência dos interesses dos cônjuges e dos companheiros, da felicidade, da solidariedade, do afeto, da cidadania e da dignidade da pessoa humana, não se pode falar em culpa ou em responsabilidade civil[37]. A responsabilidade imposta no Direito de Família é apenas o “direito de ser feliz e o dever de fazer o outro feliz”[38]. O amor é uma estrada de mão dupla, na qual os cônjuges ou companheiros são responsáveis pelos seus atos e suas escolhas[39], pelo que não se pode discutir a culpa[40]. No Direito de Família, não há responsabilidade civil, e sim a responsabilidade pessoal, em vista da liberdade de escolha do consorte, da situação em que o cônjuge ou companheiro se encontra, ao optar pela dissolução da entidade familiar, e pela saída desse conflito[41], enfim, se é direito da pessoa humana constituir núcleo familiar, também é direito seu não manter a entidade formada, sob pena de comprometer-lhe a existência digna[42].

Eventual lei de imposição de dano moral na dissolução da sociedade conjugal ou união estável seria inconstitucional, por duas razões: a primeira, as leis não têm o objetivo de abolir, e sim de preservar e ampliar a liberdade[43], sob pena de incidir em retrocesso social, o que é inadmissível, segundo a doutrina[44] e a jurisprudência[45], e renunciar à liberdade é o mesmo que abdicar de um direito próprio da humanidade[46]; a segunda, essa lei ofenderia os princípios constitucionais da secularização, da prevalência dos interesses dos cônjuges e companheiros, da cidadania, do afeto, da solidariedade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana, isso porque não se admite que uma regra, mesmo que em nível constitucional, possa contrariar princípios.

Destarte, o Estado de Direito laicizou, tornou leigo, secularizou, descristianizou, profanou, desconsagrou, degredou, dessacralizou, desdramatizou, enfim, extinguiu o princípio da culpa, pelo que, em um Estado Constitucional, deve-se compreender que a Constituição (ainda) constitui[47], não se podendo admitir a discussão da culpa do Direito Canônico no âmbito do Direito de Família.

Porém, isso não significa que o dano moral deve ser afastado do Direito de Família, porquanto, se os consortes, na constância do casamento e da união estável, praticarem, entre si, ilícito penal, esse dano deve ser indenizado, não porque o fato ocorreu durante a entidade familiar, e sim devido ao delito penal que, em tese, deve ser indenizado[48].

4. BIBLIOGRAFIA

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COMO CITAR ESTE ARTIGO:
WELTER, Belmiro Pedro. A secularização da culpa no Direito de Família. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em xx de xxxxxxxx de xxxx
(substituir x por dados da data de acesso ao site)

Artigo publicado no Mundo Jurídico (www.mundojuridico.adv.br) em 22.09.2003

[1] É autor, ainda, de artigos jurídicos e dos seguintes livros: a) Pela Editora Síntese: 01) Fraude de execução, 4ª edição, 2000; 02) Alimentos na união estável, 3ª ed., 1999; 03) Temas polêmicos do direito moderno, 1998; 04) Direito de Família: questões controvertidas, 2000; 05) Investigação de paternidade, tomos I e II, 2000; 06) Separação e Divórcio, 2000; 07) Coisa julgada na investigação de paternidade, 2ª edição, 2002; 08) Estatuto da união estável, 2ª ed., 2003; 09) Alimentos no Código Civil, 2003; b) Pela Editora Revista dos Tribunais: 10) Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva, 2003; c) Pela Editora Del Rey: 11) Alimentos no direito brasileiro (em co-autoria), Editora Del Rey (no prelo); d) Pela Editora JusPODIVM: 12) A filiação socioafetiva no Direito brasileiro, em co-autoria (no prelo)
[2] MADALENO, Rolf. Divórcio e Dano Moral. Revista do Direito de Família 01, n. 02, p.60-5.
[3] CAHALI, Yussef Said. Divórcio e Separação. 8.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. p.953.
[4] RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 14156/98, 14ª Câmara Cível. Relator: Des. Marlan de Moraes Marinho. 13.05.99.
[5] BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. pp. 188-9.
[6] CRISPINO, Nicolau Eládio Bassalo. Responsabilidade Civil dos Conviventes. In: A Família na Travessia do Milênio – II Congresso Brasileiro de Direito de Família, 2000, Belo Horizonte. Anais. (coord.) Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. pp. 116-7.
[7] SANTOS, Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos. Reparação civil na separação e no divórcio. São Paulo: Saraiva, 1999. pp.153-154.
[8] REI, Cláudio Alexandre Sena. Danos morais entre cônjuges. Disponível em: www.jus. navigandi.com.br. Acesso em: 03.03.2001.
[9] CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.670.
[10] AGUIAR, Dias. Da Responsabilidade Civil. 3.ed. 1954. Tomo II/409, parágrafo 160, apud ap. cível nº 36.016, da 1ª CCv. do TJRS. Relator: Des. Cristovam Daiello Moreira. 17.03.1981. In: RT 560/178-185.
[11] PORTO, Mário Moacyr; BIGI, José de Castro. HADDAD, Luiz Felipe; Apud CAHALI, Yussef Said. Dano moral. Op. cit., pp. 668 a 670.
[12] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ap. Cív. nº 598064137, 7ª CCv. Relator: Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. 07.10.98. In: CD juris plenum nº 01 a 55, out./2000.
[13] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ap. cível nº 36.016, da 1ª CCv. Relator: Des. Cristovam Daiello Moreira. 17.03.1981. In: RT 560/178-185.
[14] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ap. 597.155.167 – 7ª CCv.. Relator: Des. Eliseu Gomes Torres. 11.02.1998. In: RT 752/344.
[15] ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Violência contra a mulher e controle penal. Revista da Faculdade de Direito da UFSC, 1998. p. 207. Vol. 1. In: CD juris síntese nº 34, Porto Alegre: Editora Síntese, 2003, ao afirmar que, “por um lado, demanda a necessidade de uma ampla revisão dos tipos penais existentes, defendendo a descriminalização de condutas hoje tipificadas como crimes (aborto, posse sexual mediante fraude, sedução, casa de prostituição e adultério, entre outras), e a redefinição de alguns crimes, especialmente o estupro, propondo o deslocamento do bem jurídico protegido (que o estupro seja deslocado de ‘crime contra os costumes’ como o é hoje para ‘crime contra a pessoa’) com vistas a excluir seu caráter sexista”.
[16] RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Embargos Infringentes nº 57.736/96, 1ª Gr. da Câmara Criminal. Relator: Des. Sérgio Verani. 23.10.1997. In: CD juris síntese nº 34, 2003, em que foi dito o seguinte: “E a própria incriminação do adultério torna-se obsoleta, violando-se o direito à intimidade da sexualidade (art. 5º, X, CF), deixando de atender ao conceito da tipicidade conglobante: 'él juicio de tipicidad no es um mero juicio de tipicidad legal, sino que exige otro paso, que és la comprobación de la tipicidad conglobante, consistente en la averiguación de la prohibición mediante la indaganción del alcance prohibitivo de la norma, no considerada isoladamente, sino conglobada en el orden normativo...' (E. R. Zaffaroni, 'Manual de Derecho Penal, Parte General', Ediar, Buenos Aires, 5ª ed. p. 386)”.
[17] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Recurso em Sentido Estrito nº 1113193/7, 15ª Câmara do TACrim. Relator: Carlos Biasotti. 01.10.1998, constante que “mulher (ou homem) casada que é surpreendida em colóquio amoroso com outro homem (ou mulher) pratica injúria contra seu marido, não adultério”.
[18] BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 37051, 3ª Turma. Relator: Min. Nilson Naves. 17.04.2001.
[19] SANTOS, Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos. Responsabilidade Civil dos conviventes. Revista brasileira de direito de família, nº 03, ano I, p. 39, out/dez/1999. citando acórdão da 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 23.04.1996. Relator: Desembargador Quaglia Barbosa, e acórdão da 2ª Câmara de Direito Privado. Relator: Desembargador Ênio Santarelli Zuliani. 23.02.1999.
[20] RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Ap. cível nº 8.323/98, 9ª CCv. Relator: Des. Jorge de Miranda Magalhães; DJE 19.10.98. In: Revista Jurídica 257, pp.74-2.
[21] CAHALI, Yussef Said. Dano moral. Op. cit., p. 65, mencionando acórdão da 1ª Câmara do TJRS, 17.03.1981, maioria, RT 560/178 e 15.12.1961, 1ª CCv. do TASP, maioria, RT 327/443.
[22] PEREIRA, Sérgio Gischkow. Dano moral e direito de família: o perigo de monetarizar as relações familiares. Disponível em: http://www.gontijo-familia.adv.br.
[23] MOTTA, Maria. Direito de Família: a família na travessia do milênio. In: A família na travessia do milênio - II Congresso Brasileiro de Direito de Família, 2000, Belo Horizonte. Anais. (coord.) Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 40.
[24] KLEIN, Fabiane. A polêmica sobre a abstração da culpa na separação judicial litigiosa. In: O Direito de Família descobrindo novos caminhos. (org.) Maria Cláudia Crespo Brauner. Canoas: Editora La Sale, 2001. pp.47-8.
[25] PHILIPPI, Jeanine Nicolazzi. A Lei: uma abordagem a partir da leitura cruzada entre Direito e Psicanálise. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. pp. 89, 90,91, 99 e 101.
[26] CORRÊA, Darcísio. A construção da cidadania. Ijuí: Editora Unijuí.1999.
[27] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986. Laicizar significa tornar laico ou leigo; excluir o elemento religioso ou eclesiástico de (organização estatal, ensino etc); laicificar. Laico: que vive no, ou é próprio do mundo, do século; secular (por oposição a eclesiástico). Secularizar: tornar secular ou leigo (o que era eclesiástico), sujeitar à lei civil: secularizar instituições.
[28] FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoria del garantismo penal. Traduzido por Perfecto Andrés Ibánez et al. 4.ed. Madrid: Editorial Trotta, 2000. p. 218. Tradução de Diritto e ragione - Teoria del garantismo penale.
[29] Tradução: constituem uma aquisição básica da cultura liberal. E refletem o processo de secularização, culminando no início da Idade Moderna, tanto do direito como da moral, desvinculando-se ambos de tantas esferas distintas e separadas de qualquer nexo com suposta ontologias dos valores.
[30] CARVALHO, Amilton Bueno de; CARVALHO, Salo de. Aplicação da Pena e Garantismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. pp. 01 e 09.
[31] FERRAJOLI, Luigi. Op. cit. p. 218.
[32] CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias: uma leitura do garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2001. p.174.
[33] WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito: o Direito não estudado pela teoria jurídica moderna. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. p. 61. Volume III.
[34] - Artigo 1.830 do Código Civil: Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.
[35] Ato de contrição: Meu bom Jesus, crucificado por minha culpa, estou muito arrependido por ter feito pecado, pois ofendi a vós que sois tão bom e mereci ser castigado neste mundo e no outro; mas perdoai-me, Senhor, não quero mais pecar. Amém.
[36] RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Ap. 14.156/98, da 14ª CCv., unânime. Relator: Des. Marlan de Moraes Marinho, em 13.05.99. In: Revista do Direito de Família nº02, jul./set./99, Porto Alegre: Editora Síntese, p.59.
[37] FARIAS, Cristiano Chaves de. A proclamação da liberdade de permanecer casado. Porto Alegre: Ed. Síntese. In: Revista brasileira do Direito de Família nº 18, de junho e julho de 2003. p.50, citando a ap. cível nº 70005834916, da 7ª CCv. do TJRS, 02.04.2003, relator: Des. José Carlos Teixeira Giorgis, nos termos: É remansoso o entendimento de que descabe a discussão da culpa para investigação do responsável pela erosão da sociedade conjugal. A vitimização de um dos cônjuges não produz qualquer seqüela prática, seja quanto à guarda dos filhos, partilha dos bens ou alimentos, apenas objetivando a satisfação pessoal, mesmo porque difícil definir o verdadeiro responsável pela deterioração da arquitetura matrimonial, não sendo razoável que o Estado invada a privacidade do casal para apontar aquele que, muitas vezes, nem é o autor da fragilização do afeto. A análise dos restos de um consórcio amoroso, pelo Judiciário, não deve levar à degradação pública de um dos parceiros, pois os fatos íntimos que caracterizam o casamento se abrigam na preservação da dignidade humana, princípio solar que sustenta o ordenamento nacional.
[38] DIAS, Maria Berenice Dias. Amor proibido. Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br/, citando Saint Exupéry.
[39] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Da União Estável. In: Direito de Família e o novo Código Civil. (coord.) Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 223.
[40] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ap. 70000922427, da 7ª CCv. Relatora: Desembargadora Maria Berenice Dias. 09.08.00.
[41] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A Vitória da Ética Sobre a Moral. In: Revista Jurídica. Afeto, a ética no Direito de Família, Belo Horizonte, nº 8, Ano IV, p. 8, mai./2002.
[42] FARIAS, Cristiano Chaves de. A proclamação da liberdade de permanecer casado. Porto Alegre: Ed. Síntese. In: Revista brasileira do Direito de Família nº 18, de junho e julho de 2003. p.69, em notável ensaio científico.
[43] LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Traduzido por Jacy Monteiro. 2.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p.122, apud PHILIPPI, Jeanine Nicolazzi. A Lei, uma abordagem a partir da leitura cruzada entre Direito e Psicanálise. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p.268.
[44] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2001. pp.503-4, “a garantia constitucional de primeiro grau, dentro ou fora do art. 60, $ 4º, “d”, protege o espírito da Constituição. Está fora do poder de emenda. Sobre ela não tem jurisdição o titular do poder constituinte constituído. Esse poder se insere unicamente na esfera jurídica de permissibilidade de emenda, estabelecida pela Constituição (...) As garantias constitucionais de segundo grau são, de conseguinte, aquelas que não conferem aos preceitos constitucionais uma proteção de eficácia idêntica àquelas de primeiro grau, porquanto os resguardam apenas contra o legislador ordinário, mas não prevalecem contra o legislador constituinte que exerce, nos limites da Constituição, o poder de emenda constitucional”. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) crise. 2.ed. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2000. p.97, o Estado Social está assegurado pelo caráter intervencionista/regulador da Constituição, sendo “evidente que qualquer texto proveniente do constituinte originário não pode sofrer um retrocesso que lhe dê um alcance jurídico/social inferior ao que tinha originariamente, proporcionando um retorno ao estado pré-constituinte”. Nesse sentido: 01) MARTINS, Ives Gandra da Silva. O exame do DNA como meio de prova – aspectos constitucionais. In: Grandes Temas da atualidade: DNA como meio de prova da filiação. (coord.) Eduardo de Oliveira Leite. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2000. p.128; 02) SILVEIRA, José Néri da. A reforma constitucional e o controle de sua constitucionalidade. Revista do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, nº 35, p. 15, 1995; 03) CARVALHO, Amilton Bueno; CARVALHO, Salo de. Aplicação da Pena e Garantismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 06; 04) CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3.ed. Coimbra – Portugal: Livraria Almedina, 1999. pp. 326-7; 05) RUBIN, Daniel Sperb. Direito privado e Constituição – contratos e direitos fundamentais. Revista do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, nº 40, p. 107, mai./2001; 06) PEIXOTO, Cid. Princípios elementares de Direito Público Constitucional. 2.ed. São Paulo: Companhia editora nacional, Biblioteca de estudos comerciais e econômicos, 1942. p. 09. Volume 22.
[45] PORTUGAL. Tribunal Constitucional. Acórdão 39/84, 3º volume, de 11.04.84, processo nº 6/83. In: Diário da República, 1ª série, de 5 de Maio de 1984.
[46] ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Traduzido por Rolando Roque da Silva. São Paulo: Cultrux, 1936. p.22, apud PHILIPPI, Jeanine Nicolazzi. A Lei, uma abordagem a partir da leitura cruzada entre Direito e Psicanálise. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p.277.
[47] STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica – uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2002.
[48] Art. 91, I, do Código Penal: São efeitos da condenação: I – tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime”. Artigo 949 do CC de 2002: No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido. Art. 950: Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. Art. 953: A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido. Art. 954: A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, tem aplicação o disposto no parágrafo único do artigo antecedente. Parágrafo único. Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal: I - o cárcere privado; II - a prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé; III - a prisão ilegal.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Empregador que nao deposita FGTS/INSS possibilidade de rescisão contratual indireta

Não é incomum nos dias atuais, as situações em que o empregador, dotado de facilidades, desconta do contra cheque do funcionário, as verbas referente ao F.G.T.S., I.N.S.S, e não os repassam para o seu destino correto.
A despedida indireta se origina da falta grave praticada pelo empregador na relação de trabalho, prevista na legislação como justo motivo para rompimento do vínculo empregatício por parte do empregado.Estes motivos estão previstos no artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, os quais prevêem esta possibilidade em razão do empregador não cumprir com as obrigações legais ou contratuais ajustadas entre as partes.Os motivos que ensejam a justa causa do empregador prevista no artigo supracitado são os seguintes:* exigir do empregado serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;* tratar o empregado com rigor excessivo;* submeter o empregado a perigo manifesto de mal considerável;* deixar de cumprir as obrigações do contrato de trabalho;* praticar contra o empregado ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;ofender fisicamente o empregado ou pessoas de sua família, salvo em caso de legítima defesa própria ou de outrem;* reduzir unilateralmente o trabalho do empregado, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a sua remuneração.É importante lembrar que o empregador, na maioria das vezes, é representado por seus prepostos (Gerentes, Supervisores, Diretores, Presidentes e etc.) e que o ato praticado por estes frente aos empregados na relação do trabalho, uma vez enquadrado em um dos motivos previstos no artigo 483 da CLT, pode acarretar a despedida indireta.COMENTÁRIOS AOS MOTIVOS PREVISTOS COMO JUSTA CAUSAO empregador (ou seus prepostos) comete falta grave quando exige serviços superiores às forças do empregado, sejam físicas ou intelectuais, das quais o mesmo não possui. Ocorre falta grave quando o empregador exigir que o empregado realize atividades fora das previstas e pactuadas em contrato de trabalho, ou seja, inerentes à sua função. A situação, por exemplo, em que o empregado com salário menor é obrigado a cumprir tarefas ou funções de outras, de salários maiores, demitidas sem substituição, a jurisprudência vem entendendo que isso gera prejuízos ao empregado, o que afronta o artigo 468 da CLT;Embora o empregador tenha o poder de mando sobre o empregado, aquele não pode se prevalecer desta autoridade para tratar este com excessivo rigor, falta de educação ou com discriminação. Tampouco pode o empregador penalizar o empregado de forma desproporcional a uma falta leve cometida pelo empregado, como por exemplo, aplicar uma suspensão por um único e primeiro ato de atraso ao trabalho.O empregador também comete falta grave quando, no exercício da gestão de sua atividade econômica, ordena que o empregado execute uma atividade ou serviço que pode acarretar risco à sua integridade física, exceto quando o risco estiver diretamente ligado à atividade profissional desenvolvida e previsto em contrato de trabalho, como é o caso de piloto de avião.Caracteriza falta grave por parte do empregador quando este descumpre o acordo bilateral pactuado na efetivação do contrato de trabalho, ou seja, quando o empregador deixa de cumprir com suas obrigações contratuais como, pagamento dos salários no prazo, alterações unilaterais do contrato de trabalho, e etc. A falta do depósito do FGTS, por exemplo, é uma forma de descumprir o contrato de trabalho (art. 483 alínea "d"), já que tal obrigação é prevista na legislação como um direito do empregado. Caracteriza a rescisão indireta, com base no art. 469 da CLT, quando o empregador, sem a anuência do empregado, o transfere compulsoriamente de local para outro, sem provar a real necessidade de serviço.O empregador ou preposto da empresa que praticar atos lesivos à honra e boa fama do empregado ou de qualquer pessoa de sua família, tais como calúnia, injúria, difamação e etc., comete falta grave.Assim como na sociedade a ofensa física é passível de responsabilidade criminal, na relação do trabalho, tanto o empregado quanto o empregador não poderão se ofender fisicamente um ao outro, ainda que fora do ambiente da empresa, salvo se for em legítima defesa. Se o empregado sofre uma agressão física e para se defender acaba agredindo o empregador, ainda assim poderá pleitear a despedida indireta pela falta grave cometida pelo empregador, salvo se a agressão praticada pelo empregado em sua defesa, seja desproporcional a agressão sofrida, ou seja, não poderá o empregado que levou um soco no rosto se defender com o disparo de arma de fogo.A Constituição Federal estabelece em seu artigo 7º, inciso VI que é vedado a redução salarial por parte do empregador, salvo se pactuado em acordo ou convenção coletiva de trabalho. Assim, se o empregado trabalha por peça, tarefa ou comissão e o empregador as reduz unilateralmente, seja na quantidade ou no percentual, de forma que afete sensivelmente a remuneração, estará cometendo falta grave.DESPEDIDA INDIRETA - PROCEDIMENTOS - DIREITOS DO EMPREGADOO empregador que comete a falta grave, violando suas obrigações legais e contratuais em relação ao empregado, gera a este, o direito de pleitear a despedida indireta, com justo motivo, com fundamento no ato ilegal praticado pelo empregador.Normalmente o empregado que tem seu direito violado pelo empregador, deve fazer a denúncia do ato de forma imediata (princípio da imediatidade ou atualidade), ou seja, caso não se pronuncie ou se o faz somente depois de algum tempo, entende-se que houve o perdão tácito por parte do empregado, não podendo, depois, pleitear a despedida indireta.Esta denúncia é feita diretamente à Justiça do Trabalho, mediante processo de reclamação trabalhista, a qual irá analisar e julgar a justa causa para o empregador.Feita a denúncia à Justiça do Trabalho, poderá o empregado aguardar o julgamento em serviço ou não, até a decisão final do processo conforme estabelece o § 3º letra d e g do artigo 483 da CLT que assim aduz:
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sndo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários. Nas demais hipóteses do artigo 483 da CLT, o empregado deverá retirar-se da empresa, sob pena de não ser reconhecida sua reclamação.O empregado que pleitear a despedida indireta, necessariamente terá que provar o ato grave e faltoso do empregador, seja por meio de provas documentais ou testemunhais. Uma vez comprovado, terá o direito a todas as verbas rescisórias como se fosse demitido sem justa causa.Despedida indireta é assim denominada porque a empresa ou o empregador não demite o empregado, mas age de modo a tornar impossível ou intolerável a continuação da prestação de serviços.
Se voce encontra-se nesta situação, encontrou a sua saída, basta ingressar com a competente ação de rescisão indireta, por culpa do empregador, que este será impelido pela máquina judiciária, a lhe rescindir o contrato laboral, fornecer-lhe as guias competentes, pagando-lhe todas as verbas a que faz juz o empregado dispensado sem justa causa